A personal trainer Marisa, 33, enfrentou uma dura batalha contra a depressão perinatal. Mãe de três, ela chegou a esconder completamente da família a gravidez da caçula, marcou a cesária e abandonou a menina no hospital, após o parto. Os sintomas da doença transformaram sua maternidade em um processo doloroso, cheio de sofrimento. Aqui, ela dá seu relato:
“Desde cedo, sonhei em ser mãe. Sou filha única, assim como minha mãe, e sempre quis ter uma família grande, daquelas com quatro filhos correndo pela casa. A clássica família de comercial de margarina, que se constrói cedo, cheia de amor. Mas nada aconteceu como o esperado, a começar pela primeira gravidez.
Engravidei aos 21 anos, sem planejamento nenhum. Na época, eu namorava um colega da faculdade há um ano. Ele recebeu a notícia muito bem. A gravidez foi ótima, fui uma grávida muito mimada. Assim que dei à luz meu primeiro filho, porém, caí na realidade. Entrei em depressão.
Eu não achava justo o pai seguir com sua vida normalmente, enquanto eu me desdobrava para terminar a faculdade de educação física ao mesmo tempo em que cuidava do nosso bebê, via meu corpo marcado por estrias, sofria com a privação de sono em função da amamentação, sentia dores pelo leite empedrado no seio e ainda carregava uma cicatriz eterna de cesária.
Para piorar, deixei de ser o foco da atenção da minha família. Todos só queriam saber do meu filho. A sensação era de abandono –como na infância, quando fui entregue pela minha mãe à minha avó para que ela pudesse viajar por aí e encontrar seu lugar no mundo. Ela vive há 15 anos nos Estados Unidos, onde eu também sonhava em morar.
As pessoas foram cruéis comigo
Imersa na minha profunda tristeza ainda precisei lidar com comentários cruéis. Me cobravam perfeição, enquanto eu não sentia o tal amor incondicional que todo mundo comentava. Cheguei a ouvir que não tinha o direito de me sentir cansada, eu tinha escolhido aquela situação. Nunca busquei tratamento. Para mim, era só uma questão de frustração diante de planos interrompidos.
Quando ele completou três anos, decidi colocar a mim como prioridade. Terminei meu relacionamento e o entreguei ao pai. Eu queria recuperar o tempo perdido. Na época, não sabia que toda essa recusa em ser mãe e em ter responsabilidade era sintoma da depressão, que começou no pós-parto e perdurou por anos.
O susto da segunda gravidez
Fiquei três dias sozinha. Na balada, conheci meu atual marido. Um ano depois, veio a segunda gravidez. Eu já estava no sétimo mês de gestação. A descoberta aconteceu depois de um chute involuntário no abdômen durante uma aula, que me rendeu uma dor absurda. Minha barriga era muito pequena por conta do porte físico magro e malhado, nem desconfiei. Chorei todos os dias, durante os últimos dois meses de gravidez.
Diferentemente do primeiro, o pós-parto, desta vez, foi tranquilo. O tempo me trouxe calmaria. Sentia prazer em cuidar do meu segundo filho, em amamentá-lo. Até que, no oitavo mês de vida do bebê, surpresa: eu estava à espera de uma menina, a caçula. Foi um choque.
O choque da terceira gestação
A notícia mexeu muito com meu psicológico. Decidi esconder a gravidez. Os sinais da depressão voltaram ainda mais intensos. Por alguns momentos, cheguei a cogitar que era coisa da minha cabeça, que no fundo eu não estava grávida novamente. Tive surtos psicóticos, imaginava meu bebê sendo devorado por um cachorro raivoso.
Eu me afastei do meu marido. Nossa vida sexual era nula na época. Eu me cobria de roupas para esconder a barriga, que assim como as anteriores também era pequena. A separação foi inevitável. No oitavo mês, coloquei um ponto final no casamento.
Fui escondida para o parto e abandonei minha filha no hospital
Pouco a pouco, fui me preparando para ter o bebê, certa de que não ficaria com ele. Marquei a cesária no mesmo dia em que minha mãe chegava dos EUA para passar férias comigo. Fui ao hospital escondida, tive minha filha e, 12 horas depois, fugi de lá sem ela nos braços. Caminhei 8 km até minha casa, sob chuva, como se nada tivesse acontecido. Hoje, não me recordo exatamente do trajeto percorrido. Tive um apagão.
Segui minha vida normalmente. Uma semana depois, recebi uma ligação. Era a psicóloga do abrigo para onde minha filha tinha sido encaminhada. Ela sugeriu um encontro. Depois de algumas sessões, tomei consciência da depressão e decidi lutar para recuperar meu bebê. À justiça, tive que provar sanidade mental, realizar uma série de exames toxicológicos e encontrar um emprego com carteira assinada.
A juíza me me perguntava como tive coragem de fazer tudo aquilo. Mas a verdade é que eu não sabia o que eu estava de fato fazendo. Cinco meses depois, ela solicitou a presença de toda a família para que pudesse revelar a decisão. A hora de contar toda a verdade tinha chegado.
Busquei a caçula no abrigo
O primeiro a saber foi meu pai. Nunca moramos juntos, mas mantínhamos contato. Ele encontrou uma maneira de contar para minha avó e mãe. Só então criei coragem de revelar ao meu, então, ex-marido. De imediato, ele rejeitou a criança, dizia que não era sua filha. Enquanto a minha família me amparou, a dele me crucificou. Depressão nunca foi uma justificativa para eles.
Um mês depois, fui autorizada judicialmente a buscar minha caçula no abrigo e levá-la para casa. Aos seis meses, a menina já era a cara do pai, que começou a se reaproximar. Dois anos depois, reatamos.
Depressão é coisa séria
Hoje, moramos os quatro juntos. Aos finais de semana, meu filho mais velho vem nos visitar. Os três irmãos se dão muito bem. Para controlar a depressão, sigo em tratamento psiquiátrico. Sei que vou carregar resquícios dela para o resto da vida. Não vou poder jamais me redimir de tudo o que fiz. Mas essa é a minha história e não me envergonho dela.
Aprendi que pedir ajuda é o segredo da vida. Sempre fui muito orgulhosa, nunca dei o braço a torcer e isso só piorou com a doença. Com essa de querer parecer sempre forte, sofri e fiz muita gente sofrer. Eu tinha vergonha e me sentia culpada por não estar preparada para ser mãe. Tentei enfrentar tudo sozinha, mas não deu.”
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