Você deixaria um filho ser cuidado por homem na creche? Nem toda mãe aprova…

Com os estereótipos que homens e mulheres têm na sociedade, cuidar da casa e dos filhos ainda são tarefas vistas como femininas. Por conta disso, a presença masculina em creches é baixa e vista com estranheza por alguns pais.

Essa ideia se reflete, inclusive, no Censo da Educação Superior, que mostra que graduações em ciências humanas (pedagogia e direito) e ligadas à saúde (enfermagem e fisioterapia) são dominadas por mulheres.

Os homens aparecem matriculados em disciplinas de exatas, como engenharia e tecnologia, ou seja, áreas de criação.

Você deixaria seu filho (a) ser cuidado por um homem?”: acompanhada por uma foto, essa pergunta foi feita por uma mãe em um grupo de maternidade no Facebook. A postagem recebeu uma avalanche de comentários e opiniões que variam de conceitos preconcebidos, medos e ideias mais progressistas.

Há 14 anos ele tem que provar capacidade

No magistério desde 1988, Vladimir Petcov, 56 anos, trabalha na rede municipal de educação há 14 anos e todo início de ano letivo ele precisa se reafirmar na profissão. “É como se você fosse um intruso. O preconceito vem de várias formas. Do coordenador pedagógico aos pais. Todo ano preciso discutir a questão de eu estar cuidando dos filhos, inclusive trocando fralda ou dando banho quando necessário. Já aconteceu várias vezes de me chamarem para conversar para entenderem o meu currículo.

A sociedade brasileira acredita que a área de educação é destinada somente às mulheres, pois acreditam que só as mães podem cuidar das crianças, que os homens deveriam estar em outras áreas. É um machismo estrutural”, diz Petcov, que é pai de dois meninos.

Mãe de uma menina de 2 anos e seis meses, a arquiteta Ana Carolina Pinheiro, 37, reconhece que tem um prejulgamento com a ideia, pois assim como disse Vladimir, não cresceu com exemplos igualitários ao seu redor.

Tenho uma leitura geral de que homens não conseguem olhar uma menina sem erotizá-la, e não estamos falando de estupradores, mas homens criados em um ambiente patriarcal, como nós também, justifica Ana

O profissional explica que o contato físico ou o fato de uma criança sentar no colo de um professor é inevitável. “O que precisa ser discutido com os pais é como eles encaram esse contato físico, a relação que eles mesmos têm com o corpo.”

“Saber que estranhos cuidarão da intimidade da minha filha me incomoda e faz com que tenha receio de um abuso. Reconheço meu preconceito, mas não estou blindada a dialogar ou mudar de ideia. Racionalmente sei que o trabalho de um professor vai muito além de trocar fralda ou dar banho. Mas precisaria trabalhar minha mente para compreender e criar um laço de confiança”, diz Ana, que tenderia a ser mais flexível caso tivesse um filho. “Ficaria apreensiva pelo mesmo motivo, mas confesso que minha preocupação seria menor.”

Todos iguais

Antes de retornar ao trabalho, a farmacêutica Fabiana Bourroul Vilela Pedras, 33, foi com o marido Douglas conhecer uma escola de educação infantil no bairro do Brooklin Paulista para deixar o filho, Gabriel, um ano e três meses. Lá se deparou com Giulliano Ribeiro, 44, como responsável pelo berçário. O casal não nega a surpresa, mas garante que as conversas com o profissional romperam a barreira do preconceito.

“Entendo que exista um estereótipo de que pedofilia é de homens com crianças. E há um machismo muito forte que acoberta a pedofilia de mulheres mais velhas. Mas homens e mulheres têm a mesma capacidade de cuidar, amar e zelar por uma criança. O gênero de quem cuida não interfere na capacidade de ser amado e amar”, afirma Fabiana, que cita o fato de o filho ter aprendido a falar graças aos incentivos do educador.

“Meu filho adorava quando o Giu dava banho nele. Porque ele ia contando história, cantando, ensinava onde ficava o pé, a barriga, as mãos… Uma das primeiras palavras que ele aprendeu foi ‘pé’ justamente por conta dos ensinamentos. ”

Durante um ano e seis meses, Giulliano trabalhou como cuidador da filha de uma amiga, e entre um buscar e levar a garota na escola, as responsáveis do local quiseram saber mais sobre o profissional. O papo deu certo e durante 13 anos ele se tornou a pessoa responsável pelo berçário do colégio. “Na escola nunca chega um bebê, mas sim, uma família. E é preciso criar um laço de confiança. Meu trabalho iniciava já na apresentação da escola e seguia posteriormente com as dúvidas dos pais após a visita sobre o fato de ter um homem cuidando de crianças”, conta.

“Esse machismo que temos sobre definirmos o que é coisa de mulher ou de homem é o que impede as pessoas de verem que todos podem fazer tudo. Apesar deste cenário, cheguei a ouvir de muitos homens:

‘Entrar aqui e ver você com meu filho no colo ou cuidando dele me deu uma nova visão do que é estar no mundo, do que é ser pai.’ Isso mostra que o mundo pode dar certo”, afirma Giulliano.

A teoria é diferente da prática
A paulistana Thaís Andrade Duarte Lima, 29, tem uma filha de três anos e não concorda com a ideia de deixar a filha sob os cuidados de um homem.

“Nada nos garante segurança em se tratando de nossos filhos. Hoje, muitos pais abusam dos filhos, quem me garante que esse homem professor, que não conheço, não irá fazer alguma coisa? Ainda mais em creche em que as meninas e meninos ainda usam fraldas e precisará trocá-las ao longo do dia, temos que ser precavidos. Não sou contra ao trabalho pedagógico, mas em creches sim”, diz ela, que não costuma dividir as tarefas da maternidade com o marido. “Ele não tem tempo”, justifica.

Ana Olmos, psicanalista de crianças, pais e família, alerta que ser mulher não significa ter os pré-requisitos de ser um educador.

“Empatia, afeto, comprometimento vai além dos gêneros. O critério referente ao medo de abuso sexual deve ser o mesmo para homens e mulheres. Assédio e abuso são mortíferos, mas não podemos esquecer do abuso verbal, psíquico”, diz a profissional, que acredita que o preconceito não deve ser o responsável pela decisão final.

“Bons modelos masculinos também existem. Crianças que aprendem que o homem cuida, escuta, conta histórias, formarão em si uma imagem diferente da socialmente construída”, alerta Ana.

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